terça-feira, 9 de março de 2010

Cecília, segundo Chico Buarque


Existem pessoas que parecem nascer com um dom especial de saber escolher o presente que dão pra gente. No meu caso, e sem prejuízo para o conjunto dos outros amigos que tenho e sempre enchem minhas mãos de presentes, Marcya Reis é uma dessas pessoas.
Foi ela quem me deu uma edição em livro de uma coletânea de poesias de cordel que é de deixar o cidadão até intimidado de tão impressionante que é o negócio. Uma espécie de pacote, que você abre e dele extrai um livro grande cheio de poesia nordestina. Só falta o próprio Ariano Suassuna emergir da embalagem luxuosa. Até hoje ainda olho para este presente com uma certa reverência - e talvez seja por isso que ainda não me lancei de corpo e alma no seu conteúdo, Marcya há de entender.

Mas isso foi outro ano, que neste 2010 eu ganhei algo mais simples, mas nem por isso menos marcante. Marcya Reis me deu para eu celebrar os meus gastos 44 anos de vida aquele livro que saiu ainda recentemente, com a história - ou as histórias - em torno das principais composições de Chico Buarque. O livro é "Chico Buarque", da série "Histórias de Canções", de Wagner Homem, editora Leya Brasil. Marcya Reis sabe que eu sou meio viciado em histórias de bastidores sobre o mundão da mpb e cercanias. E eu, claro, não tive nenhuma reverência para com o livrinho, que tratei de ler tão rápido quanto pude, a tempo inclusive de recomendar para você que também tem uma queda por episódios que envolvem paixões supostas, brigas notáveis e enfrentamentos corajosos. No primeiro caso, estão as musas de sempre, a quem as melhores canções de Chico são atribuídas; no segundo os embates entre o compositor e a ala de Caetano ou então entre ele e a Rede Globo; e no terceiro o óbvio: as provocações de Chico contra a ditadura militar brasileira.

Mas, no meu caso, o gostinho do livro esteve mesmo foi em outra história. A história da canção "Cecília", nome da minha filha, para o qual essa composição certamente contribuiu. A nossa Cecília se chama assim principalmente porque Rejane, quando criança, caiu de amores por um poema de Cecília Meireles. Também influiu na escolha do nome o fato de Cecília, em si, ser esta palavra delicada, que mais do que ser pronunciada, flui dos lábios de quem a diz. A letra da música de Chico de certa maneira fala disso, mas a explicação no livro de Wagner Homem explicita melhor.
Diz o compositor lá no livro que Cecília é uma palavra que se fala com uma tal delicadeza que faz dela quase um sussuro. Como se fosse um abuso dizer tal palavra com qualquer intensidade que não seja a de um leve sopro no ar.

E Cecília, a nossa, a lá de casa, uma vez nascida e uma vez crescida, é bem isso mesmo. Tem uma delicadeza de se magoar com tão pouco, uma superfície fina sobre a alma que reage qualquer toque distraído e atabalhoado. Daí decorre seu medo crônico de monstros desenhados, sua cautela quase adulta diante de coisas desconhecidas, seu olhar distante embora atento para eventos que ainda lhe desafiam o entendimento. Claro que também tem uma história sobre uma certa Cecília que Chico Buarque namorou nos anos 60, uma moça do interior de São Paulo ou de Minas que, uma vez descoberta, gerou uma torrente de e-mails para o site do compositor etc e tal. Mas isso é detalhe da vida mundana do filho de Sérgio Buarque. Muito mais interessante é a análise sensível da sonoridade da palavra Cecília, o que ela sugere, o que ela instala no ar.

3 comentários:

  1. Cecília tem esse doce no nome e na feitura, linda como ela é no ar, na música e na poesia.
    PS: E devolvendo o confete, há que se reconhecer que você também é um exímio escolhedor de presentes!

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  2. Fiquei feliz em saber para quem Chico Buarque fez letra dá música "Cecilia". Eu brincava que era para mim ... Mas é para sua filha. Chará!

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  3. Lindo texto! :) Obrigado!
    Você pode me dizer o nome do livro de poesias nordestinas?
    Grande abraço!

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