quinta-feira, 17 de junho de 2010

Cecília vê a Copa


Se o futebol do Dunga não mata a fome de gol do cidadão brasileiro, paciência. Cada um que encontre uma maneira de compensar a ansiedade. Aqui em casa, eu achei a melhor dessas maneiras: assistir ao jogo com Cecília, tentando explicar todos os mistérios do esporte para esta atenta, criteriosa e muito esperta menina de 5 anos quase completos. Nada é mais interessante do que a minha pessoa que muito pouco entende do assunto procurando um jeito de ensinar para Cecília uma rasas noções do ludopédio global e dominante dos nossos tempos. Confiram nas cenas dos próximos parágrafos.

Cecília, por mais que eu insistisse, nunca chamava a seleção brasileira de "Brasil", como todo mundo faz, dos oito aos 80 anos. Para elas, somos "os amarelos". E, claro, não podemos perder.

Cecília não conseguiu entender porque o sujeito chamado de "goleiro" não gosta de gol! A dúvida dela é muito simples: se o objetivo do jogo é fazer "gol (ou seja, fazer a bola entrar naquela trave revestida por uma rede), porque o goleiro, justo ele que está ali bem pertinho, se opõe? "Ele não gosta de gol?", pergunta Cecília, impressionada.

Cecília ficou intrigada com a quantidade de vezes que uma certa palavra é repetida por quem assiste a um jogo de futebol - no caso, eu. Depois de eu pronunciar a tal palavra umas cinco vezes, sempre com um sobressalto e cada vez mais em volume mais alto, ela reagiu: "E você vai ficar dizendo 'quase' o tempo todo?"

Cecília ainda contou com uma ajuda de Rejane, que veio ver só um pouquinho do jogo do Brasil contra os coreanos vermelhos do norte. Intervenção de Rejane: "Gol, Cecília, é quando o Brasil bota a bola dentro da trave". Eu, na minha estupidez futebolística, ri por dentro e perguntei pra fora: "E quando a Coréia bota a bola dentro da trave não é gol não?" Muito justo o critério de Rejane para a Copa do Mundo.

Cecília, pra completar, ainda me perguntou daqui a pouco: "E quando a bola entra no cacho..." "No cacho, Cecilia?" E a ficha rolando na cabeça, procurando o buraco onde cair. Até que: "Ah, bom. Não é bola no cacho, não, Cecília; é boa na rede."

Mas do que Cecília mais gostou - até mais do que o gol, porque justo quando a gente saiu pra beber um copo de água foi que o jogo desencantou - foi do técnico. Sim, senhor: por causa do nome dele. Passamos o jogo inteiro naquela de "olha o Dunga / Olha o Dunga / Olha o Dunga de novo". Técnico de futebol com nome de anão de Branca de Neve tem mais é que cair nas graças das crianças. E obviamente, o técnico da Coréia do Norte também ganhou seu apelido: "Soneca".

E era um tal de "Olha o Dunga de novo", seguido de "E cadê Soneca?"

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Lost na biblioteca


Justo agora, quando só se fala no episódio final da série Lost, é que fui assistir aos primeiros capítulos. Pois enquanto há meio mundo de gente perdido em devaneios para entender realmente o que foi este final, a minha pessoa se encontra afogada em espanto tentando absorver o impacto do seu início. Encerrada de maneira a satisfazer ou não a sede de respostas dos fãs e do público eventual, Lost é este fenômeno midiático que fez as pessoas voltarem a passar um tempo maior diante da televisão.

Já deve ter alguém aí fora reclamando do que acabei de dizer. Mas é televisão mesmo: não importa se vista num site da internet ou acompanhada por meio de um telefone celular. Porque o conteúdo é de televisão, independente do suporte onde a série foi transmitida ou disponibilizada, para usar uma palavra mais apropriada aos tempos atuais.

Se você quer saber mais sobre essa teoria de que Lost reafirma o poder da televisão –aquele bicho que parecia fadado à ruína, ou pelo menos a um terceiro plano, com o advento das transformações da era digital – corra à livraria mais próxima e peça o livro de um cara chamado Newton Cannito. É “A televisão na era digital”, título meio óbvio lançado pela editora Summus, que vem sublinhado por uma legenda mais instigante: “Interatividade, convergência e novos modelos de negócios”.

Cannito, que também é um dos autores do seriado “9mm: São Paulo”, dá um banho de frescor teórico no leitor ansioso por entender melhor esse mundo em transformação das novas mídias. E o faz sem se prender a idéias tão anacrônicas quando as válvulas da tevê da sua vovó. A tese dele é de que o digital, ao contrário do que se pensa, reforça o elemento narrativo na tevê ou no computador (filmes, novelas, seriados), ainda que numa convivência com a fragmentação típica das mudanças em curso. E Lost, o seriado, é justamente um dos exemplos que ele usa. Há, no livro, um estudo de caso sobre o programa. Ainda não cheguei a esta parte – e nem é preciso se o caso é perceber a extensão do impacto da série.

Referências dispersas

Quem se der ao trabalho de rever (ou ver, como foi o meu caso) os quatro primeiros episódios de Lost vai constatar a validade de várias das idéias de Newton Cannito: que a série é um feliz exemplo de conjugação de elementos narrativos capaz de prender a atenção de um terráqueo tanto quanto nos tempos dos contos das mil e uma noites. Há um clima permanente de mistério e apreensão que vai minando os sobreviventes de um acidente aéreo; há o cenário de uma ilha de localização incerta, povoada por fenômenos misteriosos que se sucedem; há essa sucessão de eventos sem explicação, que surgem em camadas sem que os personagens tenham tempo de se refazer de um susto e já estejam tomando outro; há as referências dispersas meio por acaso entre os episódios que divertem quem acompanha cada um deles e dá a sensação de intimidade e de jogo com a narrativa.

Há, finalmente, um elenco de personagens que, mesmo parecendo à primeira vista um grupo de pessoas com perfis bem definidos, também sugere, com alguma sutileza, características inesperadas. E a estratégia narrativa seriada se presta bem a isso, ao liberar só aos poucos como peças de um quebra-cabeça as informações adicionais – e inusitadas – sobre cada um deles. É uma maneira de narrar que permite aos público antever, pela própria cultura televisiva que todos têm, o que pode vir pela frente.

É algo muito novo e ao mesmo tempo feito com base na mais clássica linguagem do seriado televisivo – recebemos os sinais de que algo vai acontecer, mas às vezes somos surpreendidos por algo que contraria nossa expectativa. De tradicional disfarçado, mas nem tanto, há o claro paralelo com o corpo de jurados de um velho programa de auditório dos tempos da tevê analógica que, para Cannito, também tendem a ganhar força com o advento do digital. Ainda que isso aconteça por alusão e não por uma recriação direta – e se você lembrou de um negócio chamado Big Brother, acertou no alvo.

É curioso que, no momento em que este programa de televisão provoca a discussão até esperada sobre a qualidade de seu final, chegue a notícia de que uma lei sancionada no Brasil obriga todas as escolas, públicas ou privadas, a manter uma biblioteca. Parece haver um fosso entre essas duas informações que ilustram os mesmos portais de notícias. Mas elas são lidas no mesmo país, tal a nossa – para não usar palavra pior – diversidade regional.

Diz o noticiário que o estado recordista (recordista para pior, entendam bem) em cidades sem bibliotecas é o Maranhão. Isso lhe sugere alguma coisa? São 61 municípios sem sombra de qualquer coisa que se assemelhe a uma coleção de livros, publicações, vídeos ou qualquer outro material público disponível para leitura, estudo, pesquisa.

Infantis com gravuras

Qual o paralelo possível entre Lost e a falta de bibliotecas em 445 dos 5.565 municípios brasileiros? Vários, mas vamos ficar apenas em um: a biblioteca, seja pobre, rica, moderna ou anacrônica, será sempre um canal de acesso de estudantes sem maiores recursos ao mundo da narrativa minimamente sistematizada.

A mesma narrativa que um seriado como Lost reforça em plena era da fragmentação total está disponível nas bibliotecas, em capítulos de livros que vão desde os infantis com gravuras até os romances mais cabeludos e canônicos. É questão de acessar, para usar uma palavra da moda.

E de, acessando, fazer uso desses elementos para construir idéias, estabelecer conexões, fazer comparações, confirmar ou desmentir hipóteses, cotejar dados, relacionar trajetórias. Enfim: para se educar, uma atividade que, no final desta cadeia, pode-se dizer que é o elemento decisivo para fazer um país não precisar, num futuro próximo, baixar uma lei obrigando que se faça o óbvio – que toda escola, por mais pobre ou menor que seja, tenha uma biblioteca.

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