sábado, 31 de julho de 2010

Retorno antecipado

A interrupção deste diário de viagem mal se abriu o capítulo da chegada já deixa uma pista de que algo não saiu conforme o planejado: é verdade, a viagem Brasília-Acari-Pipa-Natal teve que ser alterada mal chegamos ao primeiro ponto de parada. Na verdade, antes de chegar a Acari, ficamos sabendo que teríamos que voltar mais cedo a Brasilia, por causa do compromisso de Rejane com uma universidade local. Rejane foi chamada a dar aulas, num acerto que vinha sendo costurado, antes da viagem, sem muita certeza. Agora, é fato: a professora entra em ação nesta segunda-feira, nas salas do Unieuro, pontinha da Asa Sul.

Por isso, o que seria uma viagem de duas semanas foi encurtada em bem mais de quatro dias, já que teríamos que voltar, naturalmente, como fomos: de carro. E isso significa três longos dias vendo asfalto, sertões e caminhões pela frente. Tudo isso já se deu - e tomamos o que o velho e saudoso Kildare Rodrigues chamaria de "uma surra de sertão" durante este retorno. Mas as notas de viagens continuam gravadas a caneta no indefectível caderno e em brever serão aqui despejadas. Por hora, a sugestão é ler a postagem "Pneu no asfalto", devidamente apregoada lá no Sopão.

Ainda a anotar o curtíssimo espaço de tempo que ficamos em Natal e seus motivos: o excesso de chuva, o cinza desestimulante desta época do ano (embora desta vez visivelmwente mais acentuado), e finalmente uma gastrite inesperada que se instalou nas entranhas deste blogueiro desde o momento em que pisamos a cidade do sol. Nenhuma relação entre as duas coisas - apenas consequencia de horas a mais de estômago vazio em função do relógio alterado que ocorre em qualquer viagem. Por tudo isso, foi uma viagem meio fantasma e solitária: não deu pra ver ningúem além da família. A gente mais uma vez pede desculpas a Nossa Mana, Carlos Magno e Rosa e filhos, Adriano e Flávia, Carlão, Vilma e todos os outros cujos nomes não estão aqui mas se sentem representados.

Não deu, gente. Fica pra próxima. A viagem, no fim das contas, serviu mais para arejar a mente neste período de recomeço de tudo que se abre à nossa frente.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Chegada

Três mil quilômetros, centenas de caminhões ultrapassados, duas noites em hotéis de beira de estrada, incontáveis horas na companhia de Bernardo e Cecília no espaço de uma Palio Weekend e aqui estamos nós, finalmente, em Acari City. Agora são seis e meia da noite de segunda-feira e não faz mais de três horas que chegamos, nem tão exaustos quanto imaginávamos mas de qualquer maneira ainda meio desorientados pelo excesso de horas de viagem. Por mais que a gente não queira, parece que o asfalto e suas listrinhas da sinalização horizontal ainda estão passando, correndo, sumindo e reaparecendo na visão da gente.

A primeira parada aqui é para dizer da tranquilidade com que a viagem transcorreu, pouco lembrando aventuras anteriores que fizemos uns seis, sete anos lá para trás, qunado essa longa travessia Distrito Federal - Rio Grande do Norte, por mais divertida que fosse no seu transcurso, invariavelmente trazia em seu final, na chegada, uma sensação de cansaço e exaustão como se a gente tivesse subindo o pico da Neblina. Agora, não: e mesmo com a carga a mais das crianças que, naturalmente, têm a tendência de se cansar até mais do que a gente, claro, no sentido do esgotamento não físico mas mental. E quando as crianças ficam entediadas na estrada, quem tem uma delas em casa sabe o que isso significa: brigas entre elas, gritos desnecessários, farras de colegial que elas ainda não são, enfim, o tipo do descontrole que tira a paciência e a concentração dos pais. Nâo digo que não tivemos de tudo isso um pouco, mas foi muito menos do que a gente esperava.

Bernardo se impressionou de ver um burrinho amarrado num pé de pau numa rua de Belém de São Francisco, em Pernambuco - e depois disso festejava toda vez que via um bicho soilto na cidade, o que não muito raro porque esse município do sertão nordestino parece ter as ruas tomadas por bois, vacas e cavalos a esmo. É uma bela cidade, não me entendam mal, mas realmente tem alguma coisa de indiano que a gente percebe quando vê tanto ruminante vagando assim, por exemplo, no "baixo" local da noite de domingo, que foi quando passeamos um pouco por lá. Enfim, isso é apenas uma das muitas notas curiosas do diário de viagem de Bernardo, em sua primeira incursão pelo interior do país no esquema pneu no asfalto.

Cecília, cuja idade permite uma fruição um pouco maior dessa jornada, comportou-se como a senhorinha que ela é na intimidade de casa. Dormiu cedo quando foi preciso, acordou mais de uma vez já dentro do carro em movimento em plena estrada sem reclamar, "cuidou" do irnmão tanto quanto foi possível e tirou fartas sonecas quando a viagem não trazia nada que lhe apetecesse. De memória, assim , rapidamente, registro como destaque do seu bloco de notas de viagem imaginário a contemplação pela janela de inúmeros sítios e fazendas, daqueles de beira de estrada que mais parecem ilustrações de livro infantil e que ela, com toda certeza, daqui a pouco estará desenhando em seus cadernos e folhas avulsas.

Para os adultos, o que mais impressionou foi a imagem de punjança ecoômica do país que o trânsito de caminhões anunciou, especialmente no interior da Bahia. O tal espetáculo do crescimento foi uma constante nas cargas e mais cargas que vimos transitando pelas estradas que usamos. Sem falar nas condições das próprias estradas, boas como nunca vimos em nossos 16 anos de moradia em Brasília (durante os quais fizemos várias vezes esse mesmo percurso). E a constatação de um certo estado de espírito impresso em rostos, fachadas de casas, aspecto geral das cidades às margens das rodovias que confirmam a emergência daquele outro Brasil de que falei em postagens anteriores. E ainda a comprovação de que o Brasil é um país em obras, tantas foram as que a gente viu no percurso - um país completamente novo, em tudo diferente daquele que cruzamos em anos remotos, quando as estradas no interior da Bahia mais pareciam trilhas de um sinistro motocross do descaso com o bem público.

Mas tudo isso é assunto para outras postagens, que a recuperação do cansaço imediato permitirá que sejam escritas. Este papo balancial de resultado de viagem está só començando e novas conversas virão.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Arrumando as malas

Amanhã cedo, bem cedo se tudo der certo e a gente conseguir contrariar nossa própria tradição de desncanso em dia de viagem, pegamos a estrada rumo a Acari-Pipa-Natal. Tenho uma historinha à guisa de capítulo inicial deste diário de férias quinzenal. Uma pequena narrativa que dá uma perspectiva menos familiar e pessoal à jornada que temos pela frente e pela qual estamos ansiosamente esperando. Nem preciso explicar melhor, basta contar a tal história que o conceito é auto-explicativo.

Dia desses, num bate-papo de rotina com amigos no trabalho, uma colega - apenas por coincidência, também potiguar - relatou as impressões de viagem que teve uma tia dela, que mora há vinte e tantos anos em Brasília mas, sendo também potiguar, costuma ir periodicamente de carro até o estado do elefante. Segundo a colega, a tia - que, notem bem, sempre vai de carro, pneu no asfalto, o que corresponde quase uma câmera em movimento a captar a realidade do país - voltou encantada da mais recente visita a Natal. Contou à sobrinha, minha colega, que em anos de viagens na mesma rota nunca tinha visto tanta gente com sorriso no rosto, tanta estrada em boas condições, tanta cidade crescendo a olhos vistos.

Só coisa boa - e isso aqui não é propaganda eleitoral, mas apenas o relato frio e tão fiel quanto possível do que me contou a colega de trabalho. Colega que não é nenhuma militante de carteirinha daquele partido da estrela vermelha e para tantos maldita. Foi, repito, apenas um relato, informal, espontâneo, autêntico que a colega fez sobre o que ouviu da tia, que construiu esse painel brasileiro a partir da viagem que fez sem ter que responder a nenhuma pesquisa, gravar nenhum depoimento para a tevê ou coisa parecida.

Foi uma constatação simples, feita por uma pessoa comum. Desinteressada. É verdade que, segundo a colega, a tia fechou sua explanação com uma frase que é uma declaração de voto. Mas isso soou apenas como uma consequência do quadro contemplado:

-Estou decidida - disse a tia da colega - Vou votar em Dilma.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

On the road again


Os dias são de expectativa: sim, vamos cair na estrada de novo, como há muito não fazemos, menos ainda com a companhia de dois ajudantes de tenra idade, 5 e 3 anos de muita disposição para enfrentar (tomara!) quilômetros de asfalto contornados por casinhas de janelas coloridas. Tomara mesmo: é a primeira vez que topamos enfrentar os 3 mil quilômetros que separam Brasília de Natal - via Acari, claro - na base do pneu no asfalto, levando os meninos na garupa do palio. Mas vamos, porque a vontade é muita, a necessidade imensa e a oportunidade - não muito animadora em sua natureza primeira, já que Rejane não ficou naquele trabalho do Sindijus - surgiu. E vamos, saindo no próximo sábado com uma agenda de conversa no bolso para desfiar quando Cecília e Bernardo - especialmente Bernardo - estranharem o embalo do motor e a monotonia da paisagem, apesar das janelinhas coloridas em trânsito.

A expectativa traz à mente, inevitavelmente, imagens e enxertos de viagens outras dessa mesma natureza, em época sem Cecília e sem Bernardo. Tempos em que era possível presenciar uma cena brasileira no litoral da Bahia, com famílias esfomeadas enchendo sacos com restos de farinha desabada em desastre de caminhão na saída de Itabuna para Ilhéus. Ou então sequencias mais poéticas, como o inesperado "mirim" de futebol só de meninas disputado em terreno de beira de praia nas beiradas de Itacaré. Ou ainda a imagem hitchcooquiana de uma caminhonete que saiu da sua pista e veio, e veio, e veio e, ôpa, tá vindo mesmo, na nossa direção, bem de frente pro nosso parachoque de uno mil quando a gente já estava quase chegando a Caicó. Desviou no último minuto o maluco - ou por outra, agora lembro bem, fomos nós que desviamos até o limite do derradeiro espaço no acostamento da nossa via, e o que quer que tenha sido aquela pessoa na caminhonete de livro de Stephen King se foi assombrar outras almas. Nunca entendemos o que foi aquilo.

Só sabemos que coisas assim - a malta enchendo sacos com os restos da carga caída; o futebol das meninas; o motorista maluco na contramão - são coisas da estrada, para onde não vemos a hora de retornar. A aventura toda - estrada, Acari, Pipa e Natal, se tudo sair conforme o planejado - vai durar duas semanas de férias contadas para mim e pausa para Rejane. O diário de bordo, naturalmente, virá, em postagens exclusivas aqui da "Hamaca", enquanto a matriz "Sopão" segue bufando vistosa ao versar sobre temas de natureza menos familiar. Pode ser menos importante a "Hamaca", mas com toda certeza é mais divertida - e não sou eu que vou arbitrar disputas vãs de vaidades vazias entre meus dois produtos falidos. Até porque estou praticamente de férias e mal tenho tempo de pensar em outra coisa que não seja a velha estrada outra vez deslizando diante dos meus olhos.

Espero a companhia amiga da leitura de vocês nas paradas do caminho.

terça-feira, 13 de julho de 2010

A falsa investigação de Stephen King


"Christine", diferente do que o nome sugere, era um carro. Mas "Carrie" é uma garota mesmo. As duas são criaturas de Stephen King, cuja imaginação é capaz de fazer um monossilábico "se" transformar-se em narrativas com um poder de imersão que faz o leitor esquecer de si mesmo - e seus problemas eventuais, o que vem bem a calhar. Funciona assim: "e se" um velho carro tivesse o poder de tomar posse do alma de um adolescente desajeitado, fazendo dele um seguro, mas perigoso, agente de sua própria fúria? Isso é "Christine", um clássico para quem não tem vergonha de beber o leitinho estragado da cultura pop mais estandartizada. "E se" aquela adolescente desajeitada de quem a turma toda tira o maior sarro descobrisse que tem poderes telecinéticos capazes de mover a seu bel prazer desde um palito de fósforo até um carro em movimento, o que faz dela uma assassina vingativa em ponto de bala?

Isso tudo é porque, nas intempéries da vida, eu andava atrás de uma leitura evasiva - mais uma - para atravessar o temporal. E lembrei daquela nova edição de "Carrie, a estranha", primeiro livro de Stephen King - e com o qual ele conseguiu sustentar dignamente esposa e filhos - que virou um filme não menos pop nas mãos do sanguinário chique Brian de Palma. Fechei os olhos e fui a ele, pronto para afundar na narrativa das mil peripécias aterrorizantes que tal garota haveria de desencadear. O resultado é que encontrei um livro de estilo inesperado, feito em forma de fragmentos de relatórios misturados a narrativas tradicionais, com colagens de trechos de falsas resportagens, enxertos de interrogatórios entremeando as partes.

Enfim: no teor, "Carrie" é um estudo ficcional sobre os poderes retraídos - ou não - da adolescência vivida em bandos; um ensaio narrativo sobre os efeitos e a mecânica da segregação das high schools. Já na forma, é um inteligente e divertido "falso documentário" - gênero em moda no cinema de hoje - sobre a ocorrência de fenômenos paranormais protagonizados por uma adolescente mal ajustada numa cidadezinha do estado do Maine, EUA. Borges é muito pra comparação - mas a gente tem que ter o desprendimento de dizer que King, este legítimo produto da literatura mais mercantil (atenção que isso, embora não pareça, é um elogio), realiza aquilo que o cego mais cultuado do mundo literário preconizou.

Porque "Carrie" é praticamente todo feito com base em relatórios recriados, documentos imaginários, testemunhos factíveis, livros citados - inclusive com o charme das páginas etc etc. Labirinto narrativo vulgar, mas eficiente - se você destinar ao descompromisso da leitura o mesmo empenho que reserva ao altar da santidades literárias.

Postagem em destaque

O último cajueiro de Alex Nascimento

Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tcha...