quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pra ler, ouvir e dançar




Gosta de forró? Mesmo? Aprecia uma leitura? De verdade? Então, meu caro, junte as duas coisas e caia no salão ao longo das 460 páginas de “O Fole Roncou: Uma história do forró”, dissertação musical e antropológica feita com maestria de forrozeiro pela dupla de jornalistas Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, ambos egressos não apenas do Nordeste brasileiro, como também do caderno cultural do Correio Braziliense. Pois o livro é como se esses dois sujeitos juntassem numa bacia de lata de feira um sem número de músicos, cantores, produtores e incentivadores da música popular nordestina e saísse desfiando a história de cada um, como quem desfolha uma espiga do mais puro milho, para preparar o mais autêntico e saboroso bolo junino.  


Nisso, o leitor provará o gostinho de acompanhar a trajetória vitoriosa da grande – e subestimada, mas o livro está coalhado de gente nesta mesma condição – Marinês, aquela que para tanto ouvinte de rádio AM dos velhos tempos era apenas a cantora que dizia ser pequenininha mas gostar de tudo grande. Não era só isso, claro: era tanto mais que só lendo “O Fole Roncou” para dimensionar a grandeza e os mil caminhos que a intérprete tomou a partir de um programa de calouros da era do rádio em Campina Grande  até chegar à indústria do disco e ao estrelado do forró no Rio de Janeiro. Temos também Abdias, parceiro de vida e de música de Marinês, o homem que primeiro manejou um fole consagrado para depois se tornar um dos principais produtores de discos de toda uma leva de artistas. Na bacia de Marcelo e Rosualdo dança ainda a massa bruta de um Genival Lacerda, que a dupla de jornalistas tem a ousadia corajosa de reclassificar como um dos mais completos artistas jamais produzidos pela música brasileira. Sim, senhor! Rosualdo e Marcelo equiparam mais de uma vez a performance musical (e não apenas teatral, embora este lado também seja destacado, no que seu Vavá surge nas páginas do livro como um show man integral) do homem de Campina Grande com o conterrâneo Jackson do Pandeiro. Não é preciso dizer que, no contexto das consagrações e revisões culturais que de vez em quando acometem os formadores de opinião do país, Jackson há muito foi tirado do limbo do brega sujo e recolocado no altar das neotropicalistas coisas do povo que fica bem enaltecer. Isso não aconteceu com Genival – e pode até nunca ocorrer, mas não por falta de um empurrão corajoso, e muito bem elaborado, no livro de Marcelo e Rosualdo.


Jackson do Pandeiro leva a Luiz Gonzaga, e naturalmente o rei do baião não poderia estar de fora – é o evidente fio condutor da história do surgimento, consagração, crise, falência e redescoberta do forró pelo Brasil.  Gonzaga está lá – e será um complemento delicioso ler suas histórias para quem há pouco tempo conviveu com ele no cinema por meio do filme de Breno Silveira. Está no livro a forma como ele contribuiu para solidificar o gênero forró nesta rua movimentada que a música construiu entre Campina Grande, Recife e Rio de Janeiro, como estão as cismas do rei e o caráter também competitivo que marcou sua convivência com companheiros de geração absorvido pela indústria do entretenimento. Gonzaga era colaboração garantida: dava hospedagem, comida, contatos e muitas vezes trabalho como músico para os recém-chegados, mas como bom ser humano era também um cabreiro observador dos movimentos que ocorriam à sua volta e graças ao seu pioneirismo.


Jackson mesmo que o diga – e mais não adianto; vá ao livro. Onde há muito mais, inclusive as feições mais contemporâneas do fenômeno do forró urbanizado. Marcelo e Rosualdo vieram até aqui bem pertinho, perfilando nota a nota o caso do forró eletrônico de extração cearense, no que explicam direitinho como se deu a explosão e a falência do grupo empresarial montado por trás de bandas como Matruz  com Leite e derivados. O interessante caso Som Zoom está todo narrado no livro.  E só mesmo uma dupla de jornalistas nordestinos (surpreende um pouco que Carlos Marcelo, paraibano acandangado em Brasília, uma figura aparentemente muito mais próxima do rock do que da sanfona, tenha nos presenteado com um livro assim) para injetar, nos últimos capítulos, um componente chamado emoção. É no final do livro, quando os autores se ocupam dos últimos anos de quem passou a vida martelando uma sanfona, que uma lágrima pode se intrometer no olho que lê. “O Fole Roncou” nem precisava – e nem é muito habitual mesmo em biografias, quanto mais numa dissertação musical – mas termina em parágrafos comoventes, como na despedida de Marinês ou na descrição da morte repentina do potiguar Elino Julião. Os meninos que não se furtaram a reconhecer em Genival Lacerda uma construção artística que nem todo mundo tem o desprendimento de encarar também não se preocuparam em conter a emoção quando chegou o momento de substituir o forró pela toada, no ponto final entre nós de artistas a quem nos acostumamos tantas vezes a ouvir casualmente sem realmente valorizar.


No meu caso, passei o livro inteiro lembrando a figura do meu pai, sentado numa cadeira de balanço de fios de plástico na esquina da nossa velha casa, no interior potiguar, ouvindo todo fim de tarde os inevitáveis programas de forró que o rádio AM daquele tempo apresentava. Se estivesse vivo, eu leria para ele este “O Fole Roncou” da primeira à última página, naquela mesma esquina e naqueles mesmos fins de tarde se também isso fosse possível. Mas ler sozinho, cantarolando em silêncio as músicas citadas, já é, além de uma riqueza cultural sem tamanho, uma bela forma de diminuir a saudade que tenho dele. Obrigado, Carlos Marcelo; valeu muito, Rosualdo.

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