quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O listão do Leitor Bagunçado

 

Como acontece todo final/início de ano, o Leitor Bagunçado é chamado às fuças pra prestar contas de sua produtividade ao longo dos doze meses anteriores. Afinal, não basta ganhar um apelido bacana - é preciso estar à altura dele e mostrar, na chincha, o tutano que lhe dá sustância. Uma lista muito coerente de livros lidos ao longo do ano, portanto, é bola fora. O que vale mais é a balbúrdia literária, que ora joga numa biografia matadora (como "Steve Jobs", um painel incidental do mundo da informática, que fechou o ano e é de dar saudade por várias semanas), ora vai de romance noir como há tempos não está nem um pouco na moda - pior para a moda (é o caso de "O longo adeus", Raymond Chandler).

Falar em moda, o Leitor Bagunçado frequentou, sim, títulos que se tornaram meio obrigatórios, como o cool e brazuca-invernal "Barba ensopada de sangue", de Daniel Galera - uma história que infesta com dramaturgia de desencontros familiares um vilarejo típico de verão. Só pra não manter coerência alguma, citemos agora o bravo, corajoso (porque autêntico) e sobretudo comovente (uma característica difícil de se encontrar num ensaio) "O fole roncou". Ao se arriscar a empacotar em um só livro as mil e uma biografias dos músicos que dão vida ao forró, de Gonzaga a Dominguinhos, de Marinês a Seu Vavá (quem? Genival Lacerda), os autores tratam esse gênero musical com o respeito e a importância que ele tem na cultura nordestina - diga-se mais, na indústria cultural nordestina, que garantiu ao forró um outro estatuto. 

É para mudar radicalmente de assunto, garantindo o caráter bagunçado do insistente leitor? Então bote aí "Ostra feliz não faz pérola", pacote de textos paracomportamentais de Rubem Alves, autor que o dito leitor desconhecia até este ano. Precisa voltar a este oráculo da modernidade.  Também ficamos em dia com a bagunça da modernidade tucana da era FHC lendo, bem depois de todo mundo ou com o atraso regulamentar a "Privataria Tucana" do repórter Amaury Ribeiro Jr, cuja documentação é vasta, mas qualquer leitor sabe que, independente da legitimidade, documentos são sempre chatos: o melhor do livro é o clima nos primeiros quatro capítulos, um rastro de suspense e tensão inerente aos turbulentos episódios narrados. Se você quer conhecer melhor os meandros por onde andam os eternos presidenciáveis do partido - Aécio e Serra - passe os olhos neste livro. 

"Hamlet no Holodeck" nem deveria estar aqui: é leitura semiprofissional, usada por mim na monografia que escrevi sobre TV Digital para uma Especialização da Universidade Católica de Brasília. Mas como é bom, viu? Quase bota minha dissertação a perder, desviando de vez o tal do foco. Gosta de seriados, de hoje e de antanho? O livro vai lhe animar bastante. Mas é do tipo que só comprando pela internet, sob encomenda e tal. Se o seu caso é mais um ensaio de maior gravidade, experimente voltar a Erick Hobsbawm, com o "Tempos fraturados" lançado este ano. A recomendação é que primeiro leia um dos clássico do historiador que nos deixou este ano - eu fui de "A era dos extremos" há alguns anos. Esse "Tempos" vai soar mais duro aos seus olhos, mas mesmo assim tempera nossas dúvidas mais recentes, especialmente se você é do tipo que ficou todo animadinho com os protestos de junho. Cuidado para não se entusiasmar muito e acabar tirando conclusões impacientes como as de um black bloc embriagado. 

Grandes narradores, do tipo inesgotáveis, que se jogam nos textos e o afundam o leitor nas suas águas, seja este bagunçado ou não, também frequentaram a lista de 2013. Lembro o velho Bukowski de "Hollywood", com um argumento sob medida para o seu espírito bebum-transcendental: a encomenda de um roteiro pro cinema que nunca vai sair conforme o esperado. Outro exemplo é o Ian MacEwan de "Serena", com uma metalinguagem tão bem realizada que você nem desconfia até chegar ao último parágrafo. Belas ideias sobre livros, leitores e leituras. Ou um autor serialista, desses que enchem listas de mais vendidos com seus investigadores recorrentes: fui de Daniel Silva e seu "O caso Rembrandt".

Tem como passar 365 dias sem ler nem um título sequer sobre o mundo do cinema? Impossível, como comprova a lista 2013 do Leitor Bagunçado, apresentando o legalzinho "Alfred Hitchcook e os bastidores de Psicose", de Stephem Rebello, que veio junto com o filme adaptado. Na mesma estante, "Alguma solidão e muitas histórias", livro-depoimento do cineasta João Batista de Andrade, o homem por trás de filmes como "O homem que virou suco" e "A próxima vítima" (este, um pequeno clássico noir-paulista feito nos anos 80, injustamente esquecido). O volume da conhecida coleção da Imprensa Oficial paulista é de uma angústia de fazer medo - tanto mais porque soa verdadeira, nem um pouco glamourizada. João Batista é um homem triste, fazer o quê? Como dizia Leminski (que, apesar do sucesso do relançamento de suas poesias, não está na minha lista deste ano), "um homem com uma dor é muito mais elegante". Inteligente, com certeza, o livro é. 

Pra encerrar na ordem inversa de leitura - como convém a um leitor que se julga bagunçado - vamos aos três primeiros livros lidos no ano que passou: a memória de Clotilde Tavares que, por se tratar da vida num internato acabou lembrando a minha própria ("Formosa és"); outra reminiscência embora trabalhada em tom de literatura direta ("Relato de um certo Oriente", de Milton Hatoum); e a biografia de Dilma Houssef escrita por Ricardo Amaral, que foi o livro em que eu ingressei em 2013, sob o aprazível ambiente de um hotel em São Salvador da Baía de Todos os Santos. O título era, é, será sempre inspirador: "A vida quer é coragem". E alguma bagunça, que ninguém é totalmente de ferro nem completamente de vento.

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