segunda-feira, 14 de julho de 2014

Legado do vexame




Uma prestação de contas pelas previsões furadas; uma retrospectiva sem choro para encerrar o assunto; e um registro sobre outra disputa muito mais nervosa



Não confiem em mim, esqueçam maus palpites, olhem de lado quando cruzarem com meus prognósticos na rua. Sou qual um adivinhão falido, mago desmascarado, feiticeiro a cozinhar nas sopas maléficas do caldeirão onde boiam pedaços de minha própria ineficácia. A Copa começou e um infeliz de um inseto me confidenciou ao pé do ouvido: o pior é que depois de tanta polêmica, vasta campanha mesmo, os estádios até ficarão prontos, mas O Brasil-sil-sil que é bão não passa nem da primeira fase. Munido de tais premonições, pus as barbas em aquosa e relaxante bacia de molho certo de que, quando tal fracasso viesse, pelo menos a mim doeria menos, já que não alimentara o prato frio das expectativas quentes. 


Quando, por fim, o Brasil-sil-sil fez-se Brasil de papo reto, superando afinal a primeira fase do campeonato, topei com um rato na rua – seriam os do Planalto, aqueles que em tempos idos se mudaram para o Senado e viraram matéria de crônica sobre nossos males não menos crônicos? – que, me vendo atravessar uma faixa de pedestres, gritou um “alto lá” e me estendeu a mão aberta em palma como aquela dos tempos da campanha de FHC Presidente:


- Pense em Neymar, pessimista! Veja se não há entre ele e o Romário de 94 (ano da campanha de FHC Presidente, intercalou o rato) um link, um halo, um elo – caetaneou o pestilento mamífero.


Foi o bastante para minha opinião dar uma guinada de 720 graus – duas voltas de 360, caso a matemática da minha volúvel opinião tenha confundido o leitor. Passei a olhar os jogos com outras pupilas: cada olhar marejado na hora do hino era apenas o prenúncio da glória; cada tropeção em campo era apenas o obstáculo pontual que a dramaturgia do futebol impõe à sua falta de lógica; cada bola na trave a explosão de uma profecia, traduzindo em letras do acaso um texto que já estava premonitoriamente escrito.


Nisso, veio o 7X1 – e nunca, em tempo algum, antiguidade incluída, desde as trevas da idade das cavernas, uma previsão se consumiu tão rapidamente. Nem as vítimas da distante inquisição viraram cinzas de maneira tão peremptória; nem o rastag mais usado viu-se sumariamente abandonado de forma tão interneticamente precipitada; nem as mágoas pessoais mais incrustadas de todos os tempos viram de forma tão relampejante sua própria dissolução em um momento de perdão sagrado. Quebraram-se todas as minhas bolas de cristal, fosse o inseto portador de cismas ou o rato transmissor de sinas.


Daí para a frente, não havia nada mais a fazer senão queimar todos os búzios, incinerar os pozinhos que deixam manchas na xícara de chá, não dar atenção nem à ferocidade de uma bruxa chamada rede social nem a um mago ressentido que atende pelo nome de portal de notícias na internet. Que ninguém me diga mais nada – e que eu, humildemente, também não me meta a dizer nada a mais ninguém. Certifiquei-me, realisticamente, da derrota no que, ademais, não passaria de um reles prêmio de consolação – o terceiro lugar tão desprezado quanto a bola de ouro por Messi ao final da última partida, derradeira derrota a abrir chagas em conflagrados corações (não fomos os únicos, nem a exclusividade nos foi reservada).


Deixei a Arena Triunfo de confortáveis memórias – a companhia dos amigos que ajudou a suportar o pior placar, pegando o atalho da esculhambação que nos salva quando não há mais nada a fazer – e voltei à minha analítica rede de Ponta Negra aberta na sala de casa. Nada de torcida, nenhuma fé, vazio de esperanças. Voltei a ser só um olho diante de um aparelho de tevê. Tirei o foco do coração e o recoloquei no cérebro. O nervoso foi embora, a assistência se apascentou. Nunca uma derrota, um quarto lugar assim-assim soou tão inofensivo – e não estou falando das discussões que decorrem desse panorama todo, mas do momento mesmo, sem ais de internet nem sais de mesas redondas. O jogo acabou, o Brasil sem sil perdeu, uma só de minhas previsões enfim haveria de se confirmar, qual matéria de vidente do tipo vestibular, aquele que por precaução trabalha com múltiplas escolhas.


A Copa das Copas acabou, merece este título nem que seja pelas surpresas desagradáveis, o ano vai começar, outra disputa muito mais sofrida está a se iniciar e, precavido e escaldado, em relação a esta, já vou adiantando: sou péssimo analista, furado previsor, desmoralizado profeta. Por isso, nem me peçam previsões, prognósticos, antecipações. Tudo o que posso dizer é que há mais do que a simbologia do futebol em jogo. E se essa já nos dá tanto trabalho, avalie aquela. Uma bola saiu de campo e outra entrou, os dados foram lançados e os votos estão a caminho. Melhor não chorar quando soar o hino. Se é para manifestar emoções apressadas, melhor fazer como os alemães, que trocaram o choro pelo canto alegre dos Pataxós. Lembrando que eles só o fizeram quando tudo estava consumado.

domingo, 6 de julho de 2014

Sufoco na Arena Triunfo




Um tevê que soluça durante o jogo, um fogareiro no lugar do micro-ondas e um controle remoto que muda de canal na hora mais dramática de Brasil X Colômbia. Acompanhe com a gente o drama que foi assistir à partida na casa de um casal amigo. E veja os caminhos tortuosos que a sorte pode percorrer

Tinha tudo pra dar errado: a manada da internet e da mídia em geral secando técnico e jogadores, o efeito prolongado dos pênaltis da partida anterior, a expectativa de marcação em cima da celebridade Neymar, a imobilidade a caminho de se tornar clássica de Fred, certa zanga particular do país que não perde uma só oportunidade de se declarar inferior a qualquer espirro primeiromundista e por aí agora. Tudo o que a gente aqui em casa não precisava era de mais sinais de derrota antes do jogo da Seleção Brasileira da última sexta-feira. Mas a gente conseguiu piorar  ainda mais a situação. E da maneira mais amigável possível.

O amigo Renato Ferraz convidou a gente, de última hora, pra assistir à partida no bangalô dele e de Aninha, ali onde o Sudoeste é quase Setor Gráfico. Bora? Tamos aí. A quinze minutos do início da partida, juntamos umas trouxas de retirante com objetos de sobrevivência para quem tem criança e está em dieta médica e rumamos à casa do casal amigo. Com o nervosismo da partida, seria mesmo uma ótima ideia assistir ao jogo em grupo, assim sem prestar tanta atenção, pois que nestes casos quanto menor é o estudo maior é a possibilidade de o resultado doer menos. Um pouco de esculhambação sempre ajuda na hora mais dramática – isso nós, brasileiros, não cansamos de ensinar ao mundo.

Mas uma vez chegando à casa dos amigos, começou uma sucessão de maus agouros inesperados e quase curiosos, de tão fora de padrão. Levamos uns pacotes de pipocas pra os meninos terem com que se ocupar naqueles momentos em que tudo o que a gente não quer ver é um  pirralho passando na frente da tevê em lance decisivo. Abri logo minha bolsa térmica alimentar de ansioso quase cardíaco pra tirar as pipocas e a comadre Aninha me avisa, constrangida, coitada, que está sem micro-ondas. Olhei pra Renato e fui logo dando minha facada tipo paraibano – aquela que, depois de entrar fundo no bucho do adversário, ainda torce fazendo força no cabo da peixeira:

-Que  é isso, companheiro, retrocedeu aos tempos do fogareiro?

Podia haver sinal pior, no início daquela partida, do que o viajado compadre Renato, um cidadão do mundo que a  bela Triunfo, em Pernambuco, cedeu chorando ao cosmopolitismo mundial? E não é que podia? A ausência de micro-ondas em tão distinta e tecnológica casa – o anfitrião é editor de informática do Correio Braziliense, não esqueçam – foi apenas a primeira das mandingas involuntárias daquela sexta-feira de fortes emoções. Pois mal começa a partida e notamos algo estranhíssimo no aparelho de tevê. A televisão de Renato, moderna como ele, de vez em quanto dava uns disparos e interrompia a transmissão, parava de funcionar, áudio e vídeo, pra em instantes voltar. Jogo e tela preta, tela preta e jogo. Um  negócio de uns dois segundos, tempo suficiente, sabe-se bem, para o telespectador perder um pênalti favorável ao Brasil, pois não?

- Ô, Renato, o que é isso? Você convida a gente e quando chega aqui sua televisão tá com soluço?



Renato apertou botão, retirou e recolocou aquele cartão da Net que, de fato, é capaz de tirar o juízo de qualquer outro assinante, e nada. Achou pouco e ainda tentou convencer a gente com uma solução tipo gambiarra: ligou a outra tevê, que fica no quarto dele, com o som bem alto e disse que pelo menos a genta “ouviria” o que estava acontecendo enquanto a tevê principal estivesse curtindo seu soluço que, por sinal, ficava cada vez mais frequente. Rejane matou a charada:

- Renato, quem diria: assim a gente volta aos anos 50. Vamos “ouvir “ a Copa, como se tivéssemos acompanhando pelo rádio!

Você consegue em pensar em sinal pior do esse? Isso era aviso de derrota certa. Felizmente o problema da tevê foi resolvido com um reles, básico, elementar e rasteiro reset desses que a gente dá, na base do não resta mais nada a fazer quando o infeliz do computador trava na hora mais imprópria. Ainda havia, porém, uma última surpresa nesta noite que, não por acaso, acabaria com Neymar fora da Copa, num evento tão cruel que nem cabe na tentativa de lustrar com humor o sofrimento que também foi o jogo da sexta-feira passada.

Tevê funcionando, pipoca garantida com base no forno comum, até um gol também meio na base do soluço mas garantido, olho pra Renato, esse expert futebolístico que humilha minha clássica ignorância sobre o esporte bretão, e o que vejo? O compadre, em vez de exibir olhos grudados na partida e nos presentear com comentários de quem sabe de cor a escalação dos últimos dez anos do Sport de Recife – ou seria o Santa? –, estava ocupado em...limpar o controle remoto da Net. Limpar não diz bem o que ele fazia enquanto a gente sofria sem tirar os olhos da televisão. Ele praticamente esterelizava o controle, usando um paninho e o próprio sopro pra investigar poerinhas em junções, cantinhos e minúsculas fissuras do aparelho. E o jogo que se danasse, é possível?!



Já ouvi falar de muitas manias de torcedores, mas essa, francamente, não esperava. Devo dizer que havia ainda uma consequência adicional que muito nos importunou: nesse trabalho meio autista de limpar o controle remoto da Net enquanto a bola rolava – pra quem viu o jogo anterior da Seleção aboletado no Mané Garrincha, esse comportamento de Renato era de inspirar Regina, a psicóloga da Seleção, concorda? – ele aqui e ali acabava apertando involuntariamente o botão seletor de canais. E saber o que acontecia? Na hora do drible mais esperado, do chute mais assustador, do contra-ataque menos óbvio, a tevê – aquela mesma que pouco antes ainda soluçava como que chorando profeticamente por Neymar – mudava de canal. Sim, mudava de canal. De maneira que, bola nos pés de David Luís, a gente tomava um susto com o corte brusco pra novela mexicana do SBT...

-Porra, Renato, isso é lá hora de limpar controle remoto?

O resumo do sofrimento é que, para além do trauma coletivo em que nos vimos mergulhados com Neymar, deu certo. E a gente já tratou de avisar que para a próxima terça estaremos todos lá, com nossos cacarecos, saquinhos de pipoca (os mesmos que levamos sexta e que sabemos que não servirão de nada), meu lanche de pré-infartado em recuperação e tudo o mais. Porque todas aquelas mandingas que nos ameaçaram tanto e que narrei aqui na verdade foram como talismãs ao contrário. O que era um tremendo sinal de má sorte acabou, joelhada em Neymar à parte, garantindo nossa vitória. Então, Renato e Aninha, fiquem espertos: nada de consertar o micro-ondas (nem comprar um novo, que pode ser o passaporte certo pra a derrota) e se for preciso chamem um técnico da Net meia hora antes da partida para garantir que a tevê volte a apresentar o mesmo defeito de sexta-feira passada. Pelo menos nos dez minutos iniciais do jogo. Se a televisão não pifar, vai ser um péssimo sinal. Quanto à limpeza de controle remoto, não se preocupe: já estou juntando todos os que tenho pelos quatro cantos daqui de casa para lhe dar trabalho até sair ao menos aquele primeiro gol que, se não garante a vitória, ao menos ameniza o sofrimento inicial. Até terça!

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