sábado, 20 de fevereiro de 2016

Para Sandra


Eis uma aniversariante que nem precisa de velinhas: ela própria já ilumina o bolo, a festa e a vida

Aí está ela, rodeada por apenas algumas das pessoas a quem dá de presente sua presença neste mundo às vezes belo, às vezes tumultuado, quase sempre confuso. Bela, meio tumultuada, outras vezes confusa como todos e qualquer um de nós, assim também é ela. O fato é que, esteja onde estiver, as energias em volta se voltam todas para ela. Sem esforço, na base do natural. Essa foto aí mesmo deixa isso muito claro - veja quem está no centro e se certifique.

Nem ela tem noção deste poder - e por isso, às vezes, sejamos honestos, levanta o tom e procurar ter certeza de que se faz sentir e ouvir (e obedecer, o que complica bastante o negócio, rs). A gente precisa dizer a ela que não precisa: só a conheci adulta feita, mas tenho certeza de que desde pequenininha sua entrada em qualquer lugar, espaço ou dimensão estava cercada de um luz própria a irradiar simpatia em volta. É tanta luz que às vezes ofusca (sejamos honestos, repito), mas para entender, conviver e sobretudo aproveitar o melhor que vem dela, é preciso aprender a se colocar sob o calor e o brilho de toda a sua claridade. (Tem uma pessoa que faz isso muito bem, Rejane Medeiros)

Sandra, minha cunhada querida que hoje faz mais um aniversário, é assim: tangível, corajosa, aberta, disposta. Eis uma mulher exagerada, que se joga aos pés das batalhas que angaria. Mas é assim que a gente tem que apreciar a pessoa dela, assimilando exageros, abraçando seus arroubos, recolhendo com paciência, amor e carinho os vestígios de entusiasmo que ela vai deixando pelos paralelepípedos de Acari, pelo asfalto de Natal, pelas alamedas de Jardim do Seridó ou por qualquer lugar do mundo onde esteja.

Feliz Aniversário, Sandra, e comemore com o exagero de emoções que lhe é próprio e peculiar. Você nem vai notar, mas de longe a gente sente os efeitos e agradece por você existir. Por você fazer parte da nossa pequena e humilde Família Bagunçada - e também da grande família que é essa igualmente exagerada, confusa mas tantas vezes iluminada raça humana.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Depois do fim





“O Quarto de Jack” começa onde a maioria dos filmes sobre casos de sequestro termina. É um thriller diferente, na direção contrária, como que de trás para frente – sem que de fato o seja. Interessa o que normalmente não cabe mais neste tipo de filme – o elemento dramático por excelência, subproduto das investigações, rejeitos dos CSA da TV e do cinema. Nele, o suspense não vem da intriga policial, mas de outro conjunto de pistas e vestígios que a violência implanta em suas vítimas. Porque tudo, repito, acontece a partir daquele ponto onde todos os outros filmes acabam e você sai do cinema satisfeito com a resolução final e a prisão do maníaco. “Room”, de substantivo título original, lembrou-se de acompanhar as vítimas.


Muitas vezes soa como um semidocumentário – e você quase espera que trechos de depoimentos interrompam a história, sobretudo após o ato inicial. Nesta primeira parte, o filme parece se valer da linguagem dos realities shows – pense também na tão badalada caixa cênica da loura Amora e estará bem próximo. Pra ficar mais claro é preciso antecipar o enredo – mas convém confiar mais no mistério e entrar no cinema de olhos vendados. Pra dizer o mínimo, estamos confinados, parafrasendo o BBB, na casa menos vigiada do mundo. E na primeira meia hora, essa retenção sombria, pesada e lenta é tudo – sem ela, não haverá a abertura que o segundo ato propicia, enchendo o filme de uma forma de esperança que nunca cabe em filme de serial killer. O fiapo de história, enfim: tudo gira em torno desse Jack, que apesar da cabeleira e da ternura feminina, é um garoto que comemora com a mãe o aniversário de cinco anos na solidão de um quarto fechado. Pense numa caverna de Platão piorada, de onde não é possível ver nem mesmo as sombras do que se passa lá fora. No máximo, um céu nublado pela claraboia restrita.


A verdadeira sombra externa platoniana, no caso, vem de um aparelho de televisão ligado no quarto – eis uma bela atualização do mito milenar. E diante de Jack (cujo intérprete excepcional lembra em feições e talento o garoto do filme “Paris, Texas“) você tem todo o direito de lembrar de outra terna criatura do mundo do cinema, aquele criado singular que Peter Seller construiu em “Muito Além do Jardim”. Mas é só um impulso, porque se a situação é semelhante; o tom de fábula do filme dos anos 80 (ou final dos 70?) aqui é substituído por uma dissecção de natureza mais realista. Em comum os dois têm o fundo psicológico necessário ao estudo de casos assim. Ao final, assim como mãe e filho redescobrem o valor de cada elemento do mundo – sobretudo aqueles agraciados com o dom da vida – o espectador sai da sala igualmente escura do cinema com as pupilas atentas ao colorido do mundo em volta. Soa piegas? Obrigado pelo elogio. 

 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Trampolim narrativo



Sobre um clássico europeu, uma sina natalense


“Carla Lescaut”, o romance de Cefas Carvalho que eu trouxe de Natal num pacote de livros adquiridos nas férias deste início de ano, é um tobogã narrativo, uma festa de ganchos, uma vertigem sem freios. Tudo escorre, desliza, afunda na história do publicitário que aos poucos vai atirando à sarjeta mais próxima todos os valiosos atributos do bom mocismo. A graça é vivenciar essa doce-amarga imersão, esse revestimento em lixo de um almofadinha envenenado pela luxúria. É folhetim europeu século dezoito refeito para a Natal de hoje em velocidade de vôo charter. E é mesmo: um livro-citação que como tal se apresenta logo de antemão, ainda que nos últimos capítulos. E, feito isso, sapeca: curta a referência, divirta-se com as analogias. 


E a fruição vem, mesmo que o leitor, como eu, este contumaz Leitor Bagunçado, não tenha lido o original em questão – “Manon Lescaut”, um clássico da literatura francesa. Independente desse (des)conhecimento, a graça se sustenta, o jorro se mantém, o jogo evolui de capítulo em capítulo, de uma praça em ruínas na Zona Norte às mesas padronizadas do Natal Shopping – com aquela assepsia infértil que o autor fuça ao cruzar com a burguesia mais estabelecida da capital de Poti, ela mesma um pano de fundo e tanto dessa história.


A flor desse esgoto iluminado pela lua potiguar é Carla, a personificação de um segmento feminino da capital e do interior que, a despeito de toda lama, irradia legítima sedução – ao contrário do sem-sabor de vastas camadas sociais da cidade sem máculas. Carla Lescaut, uma neo-Geni nordestina, filha temporã de Maria Boa com um turista nórdico não identificado, lembra desde as primeiras linhas outra figura clássica daqueles mesmos folhetins canônicos europeus– a cigana Carmem, a virar a  cabeça do tonto e certinho José.  O cheiro de sangue ronda o leitor desde esse início, mas a sombra de Nelson Rodrigues – não exatamente nas peças, mas nos folhetins que assinou como Suzana Flag – será detida antes que se consuma a tragédia. Prevalece o fascínio em detrimento da morte. No máximo, certa decadência – o que não é pouco. E assim romanceada, “Carla Lescaut” diz muito sobre certos fenômenos sociais natalenses, como a prostituição recorrente desde os tempos do trampolim da vitória.

Postagem em destaque

O último cajueiro de Alex Nascimento

Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tcha...