quinta-feira, 9 de junho de 2016

Um dia de cada vez





Every Day, um livro pra adolescentes – primo de todos aqueles títulos de John Green – tem uma premissa irresistível: imagine alguém (garoto/garota – e essa variação torna a coisa ainda mais instigante) que não existe em um único corpo físico, como qualquer um de nós, teenager ou not. Todos os dias, invariavelmente, ele “acorda” – e as aspas estão aqui apenas para dar ainda mais literalidade ao termo – no corpo de alguém de sua faixa etária, por volta de 17 anos salvo qualquer esquecimento. E vai viver aquele dia nas circunstâncias específicas daquela pessoa. Todos de uma mesma região, de cidades próximas, com realidade ao mesmo tempo semelhante mas absolutamente diversa a partir do momento em que se está na pele de cada um.

É um desses livros cultuados pelos adolescentes cobertos pela cultura pop americana atual – e, segure as pedras nas mãos, como é bom, interessante, rico, sugestivo e finalmente divertido. A cada dia, o personagem que se identifica apenas como A. vive um dia da vida de outra pessoa da sua idade. Com isso naturalmente ele experimenta vivências dos outros com uma profundidade de que nem desconfiava, num leque de possibilidades que cobre temas como a dependência de drogas, a homossexualidade, a depressão juvenil ou a inconsequência pura e simples. Não há explicação para o fenômeno – a graça está em vivê-lo junto com o protagonista-narrador e, por meio dele, experimentar as dores e delícias de ser o que é cada um dos jovens cujos corpos ele ocupa. Não consigo pensar em tema mais atual. 

A. já se acostumou a este tipo de vida e não se furta a explicar, neste seu monólogo que logo se tornará uma espécie de diálogo muito mais problemático, como harmoniza tudo se a cada dia precisa se adaptar a uma existência diferente. O problema – e aquele diálogo complicado vem daí – é que um dia ele se interessa a tal ponto por uma garota que se vê levado a revelar essa situação (claro, só nós leitores e ele sabemos de sua condição). Também passa um sufoco depois que um adolescente mais atento desconfia de que foi tomado por alguma forma de vida que não era ele próprio. São notas de aventura que mantêm o livro de pé, fazem o leitor quase devorar as páginas de tanta ansiedade para vencer os desafios narrativos que a premissa estabelece. 

Mas o fundamental é a essência do tema: viver um dia na pele de um contemporâneo do seu tempo e do seu mundo e experimentar ver este mesmo mundo sob a ótica de um semelhante nem tão semelhante assim na hora do pega-pra-capar. Every Day é um achado. Despretensioso na abordagem, leve na profundidade, grande na efemeridade que não tem vergonha em aparentar. Um best seller como há muito eu não lia.

Back to Auster



Reencontrar Paul Auster com este Leviatã foi, primeiramente, como religar os pontos com o Phillip Roth de Pastoral Americana. Só que no lugar da maluquete pop-terrorista do livro de Roth, temos aqui um par de escritores do tipo ponderado/desiludido, focalizados no quadro geral da loucura norte-americana que resulta em bombas, tiros e assassinatos (um tema recorrente que cobre tanto Kennedy quanto o 11 de setembro). Atentados como slogans desesperados em faixas abertas no Central Park.  América, terra de oportunidade para todos - incluindo os fanáticos. Numa primeira impressão era bem menos próximo do Auster de que me lembrava, aquele das subjetividades de O conto de Natal de Auggie Wren, o miolo do relato do que virou o roteiro e o filme Cortina de Fumaça (que, milagre dos milagres, acabo de encontrar em DVD numa feira de trocas num aldeia nas matas de Goiás, mas esse é outro papo). Em termos formais, há sim, a mesma identidade - neste escrito como naquele, ou naqueles, Paul Auster tem o costume de abrir grandes valas de não-acontecimentos, dúvidas, terrenos de sombras, parênteses do desconhecido, histórias perdidas que mais tarde, só bem mais tarde, os personagens - e nós, leitores, junto com eles - vamos recuperar. Soa divertido porque você acaba tendo a impressão de estar remontando os romances junto não só com os personagens, mas com o próprio autor. Pensando bem, as cortinas de fumaça continuam lá, as longas conversas, as especulações sobre o que este incômodo (mal) estar sobre o mundo sugere, inspira, cogita e nunca define. Eis Paul Auster, eis uma retomada.

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